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- Eu Vi A Mulher Preparando Outra Pessoa
Ana Carolina está de férias. Nem tanto. A intérprete de outros autores está de volta mas a compositora que arrasta multidões ainda se encontra presente. Essa foi a sensação que o show Ensaio de Cores deixou aqui em São Paulo nesse final de semana (com sessão extra!).
Seu público continua o mesmo apaixonado e assustador de sempre,fotografando tudo e todos, trocando números de mesa para ficarem mais na frente de seu ídolo e gritando em desespero a cada movimento de Ana no palco. Um amigo meu,marinheiro de primeira viagem,confessou ter ficado até com medo na parte final do show quando mulheres em fúria pulam por cima das mesas e derrubam qualquer coisa que as impeça de chegar perto de sua musa no palco.
Ana Carolina, desde o show Nove, vem experimentando novas possibilidades positivas em seu trabalho: seu cabelo esta mais calmo, sua maquiagem menos carregada, e sua voz apesar de escolher sempre os tons mais agressivos também encontra uma certa paz. Nesse show ela mandou embora do palco sua enorme banda e ficou com três músicos, três mulheres, três companheiras talentosas:Délia Fischer (piano), Gretel Paganini (violoncelo) e Lan Lan (percussão). E surpreende. A primeira parte do show é de uma vitalidade e criatividade que há muito não se via em seu trabalho. Ana resgata canções de outros compositores que a traduzem no melhor sentido, parecendo para desavisados, que são canções de sua autoria. Rai das Cores, de Caetano Veloso, abre com propriedade o espetáculo numa explosão de imagens projetadas no fundo do palco. Em seguida aparece a primeira inédita: As Telas e Elas onde Ana justifica o assunto do show misturando nomes de grandes pintores com, o sempre recorrente em sua obra, discurso amoroso. Em seguida canta a melhor música do roteiro: Todas Elas Juntas Num Só Ser de Lenine e Carlos Rennó, um rosário de musas e seus adoradores. De Ana Julia do Los Hermanos à Bárbara de Chico Buarque. De Marina Morena de Caymmi à Iracema de Adoniran Barbosa. Canção de métrica gigante e genial que Ana se apropria de forma definitiva levantando a platéia em êxtase . Em seguida retoma Alguém Me Disse, bolero brega da era do rádio, que ela regravou em seu primeiro disco. Uma boa lembrança.
Quatro momentos ainda mais brilhantes valem o show: a força que Ana imprime ao surrado clássico Azul de Djavan tocando um baixo elétrico cheio de bossa roqueira, recriando a harmonia e trazendo novos ares fundamentais para a canção. A homenagem à sua conterrânea de Juiz de Fora, a compositora Sueli Costa, ao sentar numa roda cercada por suas parceiras de palco e cantar a bela Violão parceria com Paulo Cesar Pinheiro. O medley de fundamento tropicalista que mistura Feriado de Chico Cesar, O Amor é um Rock de Tom Zé e Entre Tapas e Beijos de Leandro e Leonardo, mostrando aos detratores de seu trabalho como compositora, que breguice e safadeza também são temas recorrentes na ala dos compositores ditos de elite, e que o Brasil recebe de ouvidos abertos todas essa manifestações. E pra encerrar esse primeiro bloco, outra inédita, dessa vez junto com Edu Krieger, o ótimo samba Pra Tomar Três que lembra a ginga contagiante de Linha de Passe de João Bosco e Aldir Blanc.
E depois ? Nada. Ou tudo para quem é seu fã incondicional. Seus sucessos passados em revista em forma de canção única ou combinados em pout-pourri temático unindo dois ou três hits. Letras maliciosas, temas de amor, força estranha e o seu carisma avassalador imperando sobre tudo isso. Mas aí já era tarde demais: o primeiro bloco já tinha tomado conta da minha cabeça e confirmado para mim (e espero que para mais alguns), que se Ana Carolina quiser dar um tempo como compositora e se desfazer de todos os aparatos de uma grande estrela, ainda assim é uma grande artista, tomada de um carisma absurdo e uma intérprete de outros compositores necessária à grande MPB. Que venham outros show de Ana Carolina assim.